TY - JOUR AU - Oliveira, Francisco Jorge Arsego Quadros de PY - 2011/02/28 Y2 - 2024/03/29 TI - Em memória de Cecil Helman JF - Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade JA - Rev Bras Med Fam Comunidade VL - 6 IS - 18 SE - MEMÓRIA DO - 10.5712/rbmfc6(18)109 UR - https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/109 SP - 9-14 AB - <p>A Antropologia Médica e a Medicina de Família e Comunidade brasileiras perderam uma referência importante com o falecimento precoce de Cecil Helman, aos 65 anos de idade.</p><p>Nascido na África do Sul, no seio de uma família de médicos, formou-se em Medicina naquele país, migrando logo após para a Inglaterra, onde trabalhou como <em>General Practitioner </em>vinculado ao <em>National Health Service </em>(NHS) por quase 30 anos.</p><p>Desde cedo, interessou-se pela Antropologia Médica, vindo a realizar uma sólida formação acadêmica e assumindo uma posição de liderança mundial na área, sendo esse pioneirismo reconhecido por meio de importantes prêmios.</p><p>Helman era um apaixonado pelo Brasil e exerceu grande influência na Antropologia Médica brasileira, especialmente a partir do seu principal livro “Cultura, Saúde e Doença”, publicado em 1984 – a primeira edição brasileira foi publicada dez anos após. Com certeza, essa é a sua obra mais conhecida, com traduções em várias línguas e que chegou à sua 5ª edição brasileira em 2009. É nesse livro que o autor esmiúça a relação dos aspectos culturais com o processo saúde-doença, conceito fundamental para uma prática em saúde que se pretenda efetiva e culturalmente sensível.</p><p>Uma característica que marcou a sua carreira era a facilidade de transitar, como poucos, entre a antropologia médica e a prática médica em si, conseguindo estabelecer uma ligação entre esses dois campos do conhecimento e apontando, com clareza, a sua complementaridade. Isso explica como ele permaneceu militando de forma tão extraordinária nessas duas áreas por tanto tempo, colocando em prática o que ele próprio chamava de “antropologia médica clinicamente aplicada”.</p><p>Essa característica ficou marcada também no seu livro, que buscava sempre explicitar essa relação por meio de inúmeros exemplos. Embora com conteúdo aprofundado, foi escrito de modo a propiciar uma leitura agradável, sendo adotado como referência bibliografia por inúmeros cursos teóricos e contribuído para tornar a Antropologia Médica mais acessível aos profissionais de saúde. Por outro lado, consegue igualmente mostrar a complexidade da prática em saúde também aos profissionais oriundos das Ciências Sociais.</p><p>Helman parecia não se acomodar. Cada edição do livro continha novos capítulos, indicando a necessidade de estar em sintonia com o que acontecia ao seu redor e com as mudanças constantes do mundo atual. Isso explica, por exemplo, a inclusão, na última edição, dos capítulos sobre migração, telemedicina e internet.</p><p>Helman esteve várias vezes no Brasil, país que admirava pela diversidade cultural e pelo rico trabalho desenvolvido pelos Médicos de Família e Comunidade junto à população. Participou de diversos eventos da nossa especialidade e desenvolveu projetos de pesquisa, tendo feito inúmeros amigos. Extremamente cordial e com uma voz mansa, sempre se mostrava curioso em ouvir a exuberância de aspectos culturais trazidos pelo público nas suas palestras.</p><p>O seu último livro, <em>The Suburban Shaman</em> (publicado em 2004 e sem tradução para o português) é um fantástico relato semibiográfico de casos atendidos por ele durante a sua trajetória profissional. Coerentemente com a ideia defendida por Helman, de que a “arte médica é uma arte literária”, o livro reúne ótimos exemplos da essência da prática do médico de família, ou seja, conseguir estabelecer uma comunicação adequada com o paciente, simplesmente conseguir <em>ouvi-lo</em> em sua plenitude.</p><p>A sua obra evidencia, de modo contundente, que a compreensão da “narrativa” de cada ser humano sob os nossos cuidados é o que torna possível colocar-se na posição do paciente e entender a sua história, a sua cultura, os seus “personagens”, o contexto em que estamos inseridos e o quanto esse conjunto é importante nas questões relacionadas à saúde e à doença.</p> ER -