A Atencao Primária a Saúde e o papel da Universidade

Autores

  • Yves Roland Talbot

DOI:

https://doi.org/10.5712/rbmfc2(8)63

Resumo

Atenção Primária à Saúde (APS) é a mais importante reforma da gestão saúde no mundo atual. Na maioria dos países, governos e serviços têm assumido a liderança no desenvolvimento da APS, como foi decidido na declaração da Alma Ata.

Desde 1990, uma série de fatos têm demonstrado o impacto de um forte sistema de cuidado com a saúde na saúde das comunidades como um todo2,3. A melhoria no status de saúde de uma comunidade está diretamente relacionada à qualificação, ou ao melhor balanceamento, da gama de profissionais especializados no cuidado primário e no aumento do acesso ao mesmo em uma determinada região. As co-morbidades aumentam juntamente com a idade da população, e o acesso a um cuidado primário compreensivo e coordenado se torna cada vez mais uma solução de custo-benefício palpável. Essa acessibilidade reduz os efeitos adversos na saúde da inaptidão social.

Então porque as universidades e centros de pesquisa médica têm sido tão lentos a participar desse sistema até recentemente? O documento intitulado Towards Unity for Health (Direcionando a Unidade da Saúde) oferece algumas sugestões4 :

1. Universidades, particularmente, faculdades de medicina sob influencia do relatório Flexner têm mantido a orientação que favorece a especialização;

2. Os incentivos e promoções das faculdades são geralmente ligados a pesquisa biomédica;

3. Membros da faculdade são geralmente mais interessados na especialização de novos graduados que podem suportar melhor os seus pacientes internados;

4. O crescimento dos membros acadêmicos do cuidado primário é frequentemente percebido como uma ameaça aos recursos de um estabelecimento, especialmente o poder de base nos centros de saúde das universidades;

5. O poder de base do cuidado primário se encontra nas comunidades, enquanto para os centros de saúde universitários, o cuidado primário está freqüentemente às margens deste poder.

Universidades devem ter um papel muito importante nesta reforma. Universidades precisam ser socialmente responsáveis e ajudar a promover o bem-estar de suas comunidades através da educação e pesquisa.

Onde e como universidades podem executar este papel?

Universidades têm um papel a executar em construir competências para desenvolver programas baseados em um treinamento direcionado ao cuidado primário do amanhã. O que inclui liderança de grupo, habilidades com a comunidade e com a população na saúde, além da prevenção de doenças ao invés das tradicionais competências acadêmicas de uma faculdade. Existem três estágios de desenvolvimento no papel da Universidade, descritas a seguir:

1. Educação continuada em serviço.

A experiência do serviço de treinamento no Brasil é similar a experiência canadense, onde a prática da medicina de família tinha um papel central na propagação da educação de seus colegas, antes deles estarem na posição de ter recursos financeiros e humanos suficientes para desenvolver um departamento na universidade. A educação no serviço reforça o conhecimento de um generalista, e permite a reciclagem do papel de especialista para generalista, e mais tarde identifica futuros modelos para residência na área.

Esses programas de treinamento em serviço, com o tempo, identificam potenciais instrutores e com o mercado para a APS definido, eles podem procurar se tornar departamentos autônomos nas universidades que mantinham seus programas interdisciplinares, baseados nas praticas reais. Entretanto, uma pré-condição a este treinamento é necessária: ter o número de estudantes mínimos que se apliquem à APS para que este tipo de treinamento seja levado a sério. Se não existir um mercado real dentro do sistema ou algo que suporte tal treinamento, ele existirá somente enquanto a energia permitir.

Os times de trabalhadores de APS, implementados no Brasil, são treinados pelas universidades e sistemas de saúde através do suporte financeiro do governo. O mesmo é dado para facilitar o treinamento em serviço inicial para grupos. A estratégia descrita acima permite o desenvolvimento de um currículo baseado nas experiências profissionais na área. Este é então baseado na realidade e assim responderá melhor às necessidades dos estudantes e da comunidade. O Canadá propôs a residência em Medicina de Família como a única forma de um médico praticar o cuidado primário. Isto foi devido a uma extensa pesquisa da Associação Médica do Canadá, onde foi dada preferência às necessidades da comunidade e na ênfase ambulatorial da Medicina de Família no currículo.

2. Programas multidisciplinares de graduação e pré-graduação

No Canadá, o apoio ao desenvolvimento de um departamento de Medicina de Família veio depois da implantação de um sistema nacional de cuidado com a saúde. Em países da América Latina, universidades têm se empenhado para treinar especialistas e existem poucos programas de treinamento de cuidados primários formais. Existe uma grande necessidade de fornecer aos médicos, no sistema de saúde, o treinamento para o cuidado primário. Isto é, na verdade, um passo crucial para reforma a ser realizada. É essencial um grupo mínimo de profissionais já trabalhando neste campo. Uma quantidade substancial da experiência de treinamento dos aprendizes da área deve ser baseada nos ensinamentos de um veterano em cuidado primário.

A importância dos times multidisciplinares tem sido enfatizada em várias recomendações e é considerada uma parte importante das ações implementadas na reforma do sistema de saúde (Alma Ata, 1978; Jakarta, 1996). Time é a palavra mais usada para discutir a colaboração5,6. Multidisciplinar se refere à participação das diferentes disciplinas e interdisciplinariedade descreve o processo de trabalho dos times de saúde de cuidado primário.

O currículo para os alunos pré-graduados e o número de posições de treinamento para os pós-graduados deve refletir uma gama de especialistas balanceados de acordo com as necessidades locais ou nacionais.

3. Pesquisa

Pesquisa é essencial para o desenvolvimento de um sistema de cuidado de saúde primário baseado em fatos. Usando o conhecimento e habilidades em pesquisa à nível de universidades ajudará a construir capacidade para um futuro departamento acadêmico de cuidado de saúde primário bem como garantir uma melhor qualidade de serviços a oferecer a população. Isso será dado pela construção de uma agenda sobre os resultados na saúde da comunidade (a partir da geografia e da necessidade de saúde visando diferenças socioeconômicas). Objetivos da pesquisa:

- promover o status e a imagem do cuidado primário como uma especialidade valorizada.

- defender o cuidado de saúde primário universal baseado em evidências.

- melhorar o cuidado primário como um componente vital do ensino das instituições.

Em resumo: a parceria da Universidade com os serviços de saúde locais, a associação entre profissionais e a comunidade são os pilares da reforma do sistema de saúde. A Universidade pode ter um papel central na sustentabilidade e legitimidade da APS como área de especialização através do treinamento, da pesquisa e do desenvolvimento de um departamento para o cuidado primário. Ações têm sido propostas desde o artigo de Boelen4, para promover a orientação de um cuidado primário nos centros de saúde de uma Universidade:

- Aumentar o número e a visibilidade dos modelos de Atenção Primária, identificados durante a fase de desenvolvimento do serviço, superando os especialistas, centrados em centros urbanos, focados na liderança institucional;

- Aumentar o apoio a pesquisa do cuidado primário e para uma documentação baseada em evidências e no valor do cuidado primário para a saúde da comunidade;

- Aumentar a base de apoio para inovação na educação e no serviço em Atenção Primária;

- Reduzir a fragmentação das forças do cuidado primário dentro das instituições, separados por diferentes departamentos (como medicina interna, medicina de família e pediatria), diferentes cursos (como medicina, enfermagem, odontologia, farmácia), diferentes campos (como medicina e saúde pública) ou diferentes burocracias governamentais (como ministros da saúde e ministros da educação); e

- Facilitar o acesso dos menos privilegiados e aos estudantes de escolas rurais ou com menos estrutura, incluindo estudantes indígenas, na Universidade.

 

4. Referências

1. Organization, W. H. ((1994).). Primary Health Care Concepts and Challenges in a Changing World: Alma Ata Revisited. SHS/CC 94.2. Geneva., . WHO/.

2. Starfield, B. (1991). "Primary Care and Health - a Cross-National Comparison." Jama-Journal of the American Medical Association 266(16): 2268-2271.

3. Starfield, B. (1994). "Is Primary-Care Essential." Lancet 344(8930): 1129-1133.

4. Boelen, C. ((2000).). Towards Unity for Health: Challenges and Opportunities for Partnership in Health. Department of Organization of Health Services Delivery. D. W. paper. Geneva., World Health Organization.

5. D’Amour, D. (1997). Structuration de la collaboration interprofessionnelle dans les services de sante au Québec.Departement de Santé Publique, Faculté de Médecine. Montreal, Université de Montreal.

Faulkner, R. A., M (1999). "Interdisciplinary Team in Health Care and Human Services setting." Health and Social work 24(3): 210-219.

6. Ferada, M. (2002). Le processus de collaboration interprofessionnelle à l egard d enfant a risque de negligence et de leurs familles. Faculté des sciences infirmiere. Montréal, Montreal: 122.

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Publicado

2007-11-17

Como Citar

1.
Talbot YR. A Atencao Primária a Saúde e o papel da Universidade. Rev Bras Med Fam Comunidade [Internet]. 17º de novembro de 2007 [citado 22º de dezembro de 2024];2(8):250-2. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/63

Edição

Seção

Editorial

Plaudit