Declaração de Belém: o recrutamento e a retenção de profissionais de saúde em áreas rurais e remotas

Autores

  • Leonardo Vieira Targa Leonardo Vieira Targa. Universidade de Caxias do Sul (UCS). Caxias do Sul, RS
  • André Luiz da Silva Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS). Porto Alegre, RS
  • Dijon Hosana Souza Silva Secretaria Municipal de Saúde de Floresta Azul. Floresta Azul, BA
  • Enrique Falceto de Barros Secretaria Municipal de Saúde de Santa Maria do Herval. Santa Maria do Herval, RS
  • Fábio Duarte Schwalm Universidade de Caxias do Sul (UCS). Caxias do Sul, RS
  • Leonardo Cançado Monteiro Savassi Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). Ouro Preto, MG
  • Monica Correia Lima Prefeitura Municipal de Cajati. Cajati, SP
  • Otávio Silva Prefeitura Municipal de Alcântara. Alcântara, MA
  • Ricardo César Garcia Amaral Filho Universidade do Estado do Amazonas (UEA). Manaus, AM
  • Rodrigo Silveira Universidade Federal do Acre (UFA), Rio Branco, AC
  • Magda Almeida Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Fortaleza, CE
  • Nilson Massakazu Ando Secretaria Municipal de Saúde de Manaus (SEMSA). Manaus, AM

DOI:

https://doi.org/10.5712/rbmfc9(30)827

Palavras-chave:

Educação Médica, Atenção Primária à Saúde, Medicina Rural

Resumo

Resumo dos debates orientados pelas evidências científicas e experiências dos membros do Grupo de Trabalho de Medicina Rural da SBMFC a respeito da questão de recursos humanos para a saúde, com foco na realidade Brasileira. 

 

Tendo se reunido em Belém-PA, em maio de 2013, durante o 12º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade, o Grupo de Trabalho de Medicina Rural da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), baseado em estudos prévios das evidências publicadas nacional e internacionalmente e na própria experiência como médicos rurais e estudiosos do tema, após debate e consenso, considerando que:

  • O Brasil é um país continental e com enorme variedade locorregional;
  • O conceito de ruralidade aqui utilizado será o da Declaração de Brasília;1
  • A saúde das populações rurais e remotas apresenta características específicas, que a difere da saúde das populações de grandes áreas urbanas e, em grande parte, os indicadores de saúde daquelas populações são inferiores às últimas;2-5
  • As populações de áreas rurais e remotas têm a saúde como direito assegurado constitucionalmente, tanto quanto qualquer outra população;6
  • O Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro tem como pressupostos a atenção universal, integral e com equidade para os cidadãos brasileiros,6 entretanto não estão atualmente assegurados o acesso, a longitudinalidade, a integralidade, a coordenação do cuidado, nem a qualidade das ações de saúde para as populações rurais;3
  • Existe em todo o país escassez de recursos humanos para a saúde e este fato não pode ser explicado, exclusivamente, pela falta de profissionais, mas, preferentemente, pela má distribuição destes.3,7

O GT de Medicina Rural da SBMFC declara:

  • É essencial que o governo brasileiro, assegurando adequada participação social, assuma a responsabilidade da criação e sustentação de políticas públicas, direcionadas para a iniquidade da situação de saúde das populações rurais.
  • Estas políticas devem ser, preferencialmente, adequadas regionalmente e, se necessário, localmente.
  • Múltiplas estratégias devem ser adotadas simultaneamente, ao invés de escolherem-se estratégias isoladas, sendo que uma política adequada de recrutamento e retenção de recursos humanos, que englobe múltiplas estratégias, deve fazer parte das políticas anteriormente citadas, embora não sejam suficientes.8
  • As políticas de recrutamento e retenção de recursos humanos em saúde não podem ser construídas separadamente das políticas de aprimoramento do sistema de saúde e da gestão, e deveriam estar relacionadas com maior orientação do sistema de saúde para a Atenção Primária à Saúde (APS).9
  • Deve-se ter em mente que a prática do cuidado à saúde em áreas rurais não se constitui em cenários diferentes, da simples aplicação de evidências científicas descontextualizadas e portanto, as políticas voltadas para esta área não devem estar em desarmonia com as políticas de formação e treinamento.
  • Políticas de formação de profissionais de saúde, tanto em nível de graduação como de pós-graduação, devem ser redirecionadas para a obtenção de profissionais com perfil generalista. O Médico de Família e Comunidade (MFC), em nosso país, deve ser o profissional de referência para a prática em áreas rurais e remotas, pois este é o perfil profissional que internacionalmente obtém melhores resultados nestas condições.9 O mesmo perfil deveria ser buscado nas demais profissões da saúde, preferencialmente, e o trabalho em equipe deve ser estimulado. A formação destes profissionais deve ser direcionada para as demandas das comunidades locais.
  • Estratégias de pré-seleção de estudantes nas universidades para perfis voltados para a APS e para a Medicina de Família e Comunidade são internacionalmente relacionadas a melhores desfechos para esta necessidade e deveriam ser criadas juntamente com: (a) políticas de pré-seleção de estudantes de áreas rurais e remotas, carentes de profissionais de saúde; e (b) descentralização progressiva dos cursos da área da saúde.
  • Estratégias que aumentam o recrutamento temporariamente, mas não fixam o profissional nas áreas rurais, como o serviço temporário obrigatório ou voluntário (assim como as que premiam o profissional ao terminar o prazo de serviço ou ao retornar para a cidade), não deveriam ser a primeira opção, tampouco prioritárias, visto que têm potencial de prejudicar a qualidade, a longitudinalidade e a integralidade do cuidado, além de, indiretamente, desestimular as melhorias dos sistemas de saúde locais e a busca de um perfil profissional adequado. Estas podem, entretanto, ser soluções opcionais quando outras alternativas se mostrarem infrutíferas, devendo ser reavaliadas periodicamente quanto à sua necessidade, devido ao seu caráter de solução a curto prazo. Ao se optar por premiação após o serviço rural, deve-se priorizar o estímulo às especialidades deficitárias e generalistas.
  • Estratégias de valorização do profissional rural devem ser adotadas, por exemplo, premiações por longitudinalidade, o escopo mais amplo de habilidades e procedimentos, dificuldade de acesso.
  • Estratégias de diminuição do isolamento do profissional, como o acesso adequado às tecnologias de informação, a existência de internet de boa qualidade, redes bem estruturadas de referência e consultoria presenciais e/ou a distância e o estímulo governamental às associações de profissionais rurais, conferências e publicações.
  • Estratégias de facilitação de inserção acadêmica, como o mapeamento e apoio aos programas curriculares que incorporam estágios ou disciplinas de saúde rural, apoio à inserção em projetos de pesquisa e capacitação para tal, apoio à descentralização de cursos da área da saúde.
  • Estratégias de migração de profissionais estrangeiros deveriam ser encaradas como soluções emergenciais, de curto prazo, somente após outras opções terem sido esgotadas e sempre respeitando as regras nacionais respectivas.
  • Estratégias de apoio à qualidade de vida do profissional e sua família, visto que são fatores importantes diagnosticados para a não fixação em muitas áreas rurais. Exemplos clássicos são: o auxílio à moradia, obtenção de emprego para cônjuge, transporte, educação dos filhos e remuneração.

O GT de Medicina Rural define que:

De forma resumida, sem o fortalecimento do SUS, o aprofundamento de seu direcionamento para APS e a melhoria na gestão, com direcionamento adequado de recursos, não será possível uma solução duradoura e adequada para o problema da falta de recursos humanos em saúde.

Estratégias múltiplas e regionalizadas deveriam fazer parte de uma política mais ampla de recursos humanos, que necessariamente estivesse conectada com transformações na formação de profissionais para um perfil preferencialmente generalista e qualificado. Soluções de curto prazo, que recrutem e não fixem profissionais nas áreas rurais só podem ser tomadas como opção complementar não devendo ser prioritárias. 

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Biografia do Autor

Leonardo Vieira Targa, Leonardo Vieira Targa. Universidade de Caxias do Sul (UCS). Caxias do Sul, RS

Médico de Família e Comunidade. Professor da Universidade de Caxias do Sul. Mestre em Antropologia Social. Coordenador do Grupo de Trabalho em Medicina Rural da SBMFC e representante desta no Working Party on Rural Practice da Wonca.

Mais informações: Currículo Lattes - CNPq.

Referências

Ando NM, Targa LV, Almeida A, Silva DHS, Barros EF, Schwalm FD, et al. Declaração de Brasília: o conceito de rural e o cuidado à saúde. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2011 Abr-Jun; 6(19): 142-4.

http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc6(19)390 DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc6(19)390

Brasil. Uma Análise da Situação da Saúde. Brasília: Ministério da Saúde; 2004.

Targa LV. Saúde Rural e a Medicina de Família e Comunidade. In: Gusso G, Ceratti JML. Tratado de Medicina de Família e Comunidade. Porto Alegre: Artmed; 2012.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diretoria de Pesquisas. Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios: Um panorama da saúde no Brasil. Acesso e utilização de serviços, condições de saúde e fatores de risco e proteção à saúde, 2008. Rio de Janeiro: IBGE; 2010.

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Departamento da População e Indicadores Sociais. Evolução e perspectivas da mortalidade infantil no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 1999.

Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

Conselho Federal de Medicina. Jornal do Conselho Federal de Medicina, 2010. Resumo. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9777&catid=3:portal.

Organização Mundial de Saúde – OMS. Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention. Genebra; 2010.

Starfield B. Atenção Primária: Equilíbrio entre necessidades de saúde, serviços e tecnologia. Brasília: UNESCO, Ministério de Saúde; 2002.

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Publicado

2013-11-02

Como Citar

1.
Targa LV, Silva AL da, Silva DHS, Barros EF de, Schwalm FD, Savassi LCM, Lima MC, Silva O, Amaral Filho RCG, Silveira R, Almeida M, Ando NM. Declaração de Belém: o recrutamento e a retenção de profissionais de saúde em áreas rurais e remotas. Rev Bras Med Fam Comunidade [Internet]. 2º de novembro de 2013 [citado 19º de março de 2024];9(30):64-6. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/827

Edição

Seção

Documentos da SBMFC

Plaudit

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