No olho do furacão. Trabalho Médico e o Programa Saúde da Família
DOI:
https://doi.org/10.5712/rbmfc3(9)85Palavras-chave:
Médico de Família, Saúde da Família, Trabalho MédicoResumo
O trabalho médico é central nos serviços de saúde, emuitos têm sido os desafios para a oferta de umatendimento de boa qualidade na atenção básica. Esse local de alta complexidade tecnológica exige, para responder às complexas necessidades individuais e coletivas de saúde, uma prática clínica ampliada e um trabalho de equipe. A prática médica hegemonicamente encontrada nesses serviços, no entanto, tem se traduzido numa atenção centrada em procedimentos, que pouco considera as diversas dimensões presentes no processo de adoecimento, com baixo compromisso dos profissionais pelo resultado final do trabalho. O Programa de Saúde da Família (PSF) propõe mudanças importantes na organização do trabalho médico com a utilização de generalistas. O objetivo desta investigação foi analisar potências e limites dessa proposta em alterar o padrão hegemônico da prática médica. Realizamos para tal um estudo de casos em unidades de dois projetos QUALIS (Zerbini e Santa Marcelina), modo como inicialmente se implantou o programa no município de São Paulo. Buscamos conhecer a realidade objetiva e subjetiva do trabalho médico nesses serviços e captar se essa proposta se traduzia numa nova forma de operar o trabalho. Utilizamos vários instrumentos para a coleta de dados (entrevistas, fluxograma analisador, observação de consultas, grupos de discussão e pesquisa documental) e realizamos uma triangulação metodológica e validação dos resultados encontrados com as equipes. A investigação ocorreu no período de junho de 2000 a dezembro de 2001. Constatamos que esse modelo de organização do trabalho possui arranjos tecnológicos - vinculação dos médicos a uma equipe e a uma população, espaços de discussão do trabalho, visitas domiciliares, entre outros - com potencialidade para aumentar o envolvimento, o compromisso e a responsabilização dos médicos. Porém os limites encontrados foram importantes. A organização do trabalho permanecia ainda bastante centrada na oferta de assistência médica individual. As consultas expressavam dificuldades de uma abordagem clínica ampliada, estando predominantemente centradas na dimensão biológica do adoecer. Apesar de diferenças entre os projetos QUALIS, a capacitação e o apoio ao trabalho mostravam-se insuficientes para os profissionais responderem às diversas demandas clínicas e para a abordagem das necessidades de saúde nas suas múltiplas dimensões, apontando o risco de uma simplificação da atenção. O elevado número de famílias também se revelava um limite importante para responder às necessidades de saúde da população adscrita. Os médicos estavam submetidos a uma grande carga quantitativa e qualitativa de trabalho, com dificuldades de retaguarda dos demais níveis de atenção. O trabalho nas ESFs se apresentava como extremamente desgastante, sendo identificado pelos médicos como estar no olho do furacão. As questões levantadas neste estudo indicam a necessidade de rever as estratégias do PSF, entre elas a de utilização exclusiva de médicos generalistas nas equipes. Aponta-se como fundamental para a mudança dos atos médicos hegemônicos a aquisição de referenciais e tecnologias para ampliar a escuta, qualificar o vínculo e as intervenções. Ressalta-se ainda como importante o desenvolvimento de mecanismos de gestão para acompanhar e apoiar o trabalho dos profissionais, assim como a melhora na retaguarda dos demais níveis de atenção.
Tese de Doutorado
Orientador: Prof. Dr. Gastão Wagner de Souza Campos
Faculdade de Ciencias Médicas - UNICAMP
Campinas, 2003.
Disponível em:
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ct/pdf/angela%20aparecida_tese.pdf
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