Medicina de família e prevenção quaternária

uma longa história

Autores

DOI:

https://doi.org/10.5712/rbmfc16(43)2502

Palavras-chave:

Medicalização, Prevenção Quaternária, Medicina Baseada em Evidência, Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária à Saúde.

Resumo

Este artigo revisita a constituição da medicina de família e comunidade (MFC) como especialidade médica e as suas raízes que favoreceram o nascimento do conceito de prevenção quaternária (P4). Evidencia que a tradição da medicina à beira de leito, a função-filtro dos MFCs - fortalecida por sistemas nacionais de saúde organizados a partir da atenção primária à saúde (APS) – e, a abordagem biográfica de Balint, favoreceram o processo de proteção da saúde dos pacientes. Desde seus primórdios, a MFC esteve vinculada a uma abordagem holística, humanista e integral da pessoa, coerente com a P4. Entretanto, dois momentos históricos tensionaram a abordagem da MFC. O primeiro foi a estruturação da biomedicina especializada nos hospitais, que centrou a abordagem nas doenças vistas como lesões corporais. O segundo foi o nascimento da medicina baseada em evidências (MBE), na década de 1990, que refinou o modelo biomédico amplificando o grau de abstração das intervenções biomédicas, vinculando-as às medidas de impacto no coletivo dos doentes. A medicina hospitalar e a MBE trouxeram avanços importantes ao cuidado, mas ampliaram seu potencial iatrogênico. A MBE construiu uma hierarquia de evidências de tamanha valorização na comunidade médico-científica que vem sendo aplicada acriticamente de forma protocolar. Esse processo vem afastando a abordagem holística e individualizada dos MFC, multiplicando o potencial de danos iatrogênicos e a medicalização. Existe uma necessidade redobrada da P4, a ser informada pela MBE e simultaneamente aplicada à própria MBE. A P4 implica um olhar crítico do MFC sobre o modus operandi da biomedicina, de maneira a viabilizar uma prática humanizada e desmedicalizante na APS.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Métricas

Carregando Métricas ...

Biografia do Autor

Armando Henrique Norman, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, SC

Possui graduação em medicina pela Universidade Federal do Paraná (1995), Residência em Medicina Geral e Comunitária/Medicina de Família e Comunidade pela PUC-PR (2001) e mestrado em Antropologia Médica pela Universidade de Durham/Reino Unido (2011). Tem experiência na área de Antropologia, com ênfase em Antropologia Médica, atuando principalmente nos seguintes temas: Pagamento por Performance (P4P), Prevenção Quaternária, Medicalização Social, Rastreamento, Medicina de Família e Comunidade, Atenção Primária a Saúde (APS), Medicina Preventiva e Medicinas Complementares (Homeopatia).

Mais Informações: Currículo Lattes

Referências

(1) McWhinney IR, Freeman T. Manual de medicina de família e comunidade. 3ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2010.

(2) Falk JW. A Medicina de Família e Comunidade e sua entidade nacional: histórico e perspectivas. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2004;1(1):5-10. DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc1(1)2 DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc1(1)2

(3) Stewart M, Brown JB, Weston WW, McWhinney IR, McWilliam CL, Freeman TR. Medicina centrada na pessoa: transformando o método clínico. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed; 2010.

(4) Norman AH, Tesser CD. Prevenção quaternária na atenção primária à saúde: uma necessidade do Sistema Único de Saúde. Cad Saúde Pública. 2009;25(9):2012-20. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2009000900015

(5) Alber K, Kuehlein T, Schedlbauer A, Schaffer S. Medical overuse and quaternary prevention in primary care - a qualitative study with general practitioners. BMC Fam Pract. 2017 Dez;18(1):99. DOI: https://doi.org/10.1186/s12875-017-0667-4 DOI: https://doi.org/10.1186/s12875-017-0667-4

(6) Makary MA, Daniel M. Medical error-the third leading cause of death in the US. BMJ. 2016;353:i2139. DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.i2139 DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.i2139

(7) Loudon I. The concept of the family doctor. Bull Hist Med [Internet]. 1984; [2020-06-21]; 58(3):347-62. Disponível em: http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/6388688

(8) Loudon IS. James Mackenzie Lecture. The origin of the general practitioner. J R Coll Gen Pract. 1983 Jan;33(246):13-23.

(9) Foucault M. O nascimento da clínica. 7ª ed. São Paulo: Forense Universitária; 2011.

(10) Jewson ND. Medical knowledge and the patronage system in 18th century England. Sociology. 1974 Set;8(3):369-85. DOI: https://doi.org/10.1177/003803857400800302 DOI: https://doi.org/10.1177/003803857400800302

(11) Koch T, Denike K. Crediting his critics’ concerns: remaking John Snow’s map of Broad Street cholera, 1854. Soc Sci Med. 2009 Out;69(8):1246-51. DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.07.046 DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2009.07.046

(12) Armstrong D. The emancipation of biographical medicine. Soc Sci Med. 1979;13:1-8. DOI: https://doi.org/10.1016/0271-7123(79)90002-6 DOI: https://doi.org/10.1016/0271-7123(79)90002-6

(13) Beck AH. The Flexner report and the standardization of American medical education. JAMA. 2004 Mai;291(17):2139-40. DOI: https://doi.org/10.1001/jama.291.17.2139 DOI: https://doi.org/10.1001/jama.291.17.2139

(14) Starfield B, Shi L, Macinko J. Contribution of primary care to health systems and health. Milbank Q. 2005 Out;83(3):457-502. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1468-0009.2005.00409.x DOI: https://doi.org/10.1111/j.1468-0009.2005.00409.x

(15) Norman AH. Estratégias que viabilizam o acesso aos serviços de atenção primária à saúde no Reino Unido. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2019;14(41):1945. DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc14(41)1945 DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc14(41)1945

(16) Lakasing E. Michael Balint--an outstanding medical life. Br J Gen Pract. 2005 Set;55(518):724-5.

(17) Balint M. The doctor, his patient, and the illness. Lancet. 1955 Abr;265(6866):683-8. DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(55)91061-8 DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(55)91061-8

(18) Neighbour R. The Inner Physician: Why and How to Practise “Big Picture Medicine.” London: Royal College of General Practitioners; 2016.

(19) Checkland K, Harrison S, McDonald R, Grant S, Campbell S, Guthrie B. Biomedicine, holism and general medical practice: responses to the 2004 General Practitioner contract. Sociol Health Illn. 2008 Jul;30(5):788-803. DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-9566.2008.01081.x DOI: https://doi.org/10.1111/j.1467-9566.2008.01081.x

(20) Cardoso RV. Prevenção quaternária: um olhar sobre a medicalização na prática dos médicos de família. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015 Abr/Jul;10(35):1-10. DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1117 DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1117

(21) Illich I. Medicalization and primary care. J R Coll Gen Pract. 1982 Ago;32(241):463-70.

(22) Jamoulle M. Quaternary prevention: first, do not harm. Rev Bras Med Fam Comunidade. 2015 Abr/Jun;10(35):1-3. DOI: https://doi.org/http://dx.doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1064 DOI: https://doi.org/10.5712/rbmfc10(35)1064

(23) Harrison S. The politics of evidence-based medicine in the United Kingdom. Policy Polit. 1998;26(1):15-31. DOI: https://doi.org/10.1332/030557398782018293 DOI: https://doi.org/10.1332/030557398782018293

(24) Martins C, Godycki-Cwirko M, Heleno B, Brodersen J. Quaternary prevention: reviewing the concept. Eur J Gen Pract. 2018 Jan;24(1):106- 11. DOI: https://doi.org/10.1080/13814788.2017.1422177 DOI: https://doi.org/10.1080/13814788.2017.1422177

(25) Martins C, Godycki-Cwirko M, Heleno B, Brodersen J. Quaternary prevention: an evidence-based concept aiming to protect patients from medical harm. Br J Gen Pract. 2019;69(689):614-5. DOI: https://doi.org/10.3399/bjgp19X706913 DOI: https://doi.org/10.3399/bjgp19X706913

(26) Norman AH, Hunter DJ, Russell AJ. Linking high-risk preventive strategy to biomedical-industry market: Implications for public health. Saúde Soc. 2017 Set;26(3). DOI: https://doi.org/10.1590/s0104-12902017172682 DOI: https://doi.org/10.1590/s0104-12902017172682

(27) Lambert H. Accounting for EBM: notions of evidence in medicine. Soc Sci Med. 2006 Jun;62(11):2633-45. DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2005.11.023 DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2005.11.023

(28) Tesser CD, Norman AH. Por que não recomendar estatinas como prevenção primária?. APS Rev. 2019 Mar;1(1):39-49. DOI: https://doi.org/10.14295/aps.v1i1.15 DOI: https://doi.org/10.14295/aps.v1i1.15

(29) Norman AH, Russell AJ, Merli C. The quality and outcomes framework: body commodification in UK general practice. Soc Sci Med. 2016 Dez;170:77-86. DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.10.009 DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2016.10.009

(30) Spence D. Kill the QOF. BMJ. 2013 Mar;346:f1498. DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.f1498 DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.f1498

(31) Kelly MP, Heath I, Howick J, Greenhalgh T. The importance of values in evidence-based medicine. BMC Med Ethics. 2015 Out;16(1):69.DOI: https://doi.org/10.1186/s12910-015-0063-3 DOI: https://doi.org/10.1186/s12910-015-0063-3

(32) Greenhalgh T, Howick J, Maskrey N. Evidence based medicine: a movement in crisis?. BMJ. 2014 Jun;348:g3725. DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.g3725 DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.g3725

(33) Lambert H, Gordon EJ, Bogdan-Lovis EA. Introduction: gift horse or Trojan horse? Social science perspectives on evidence-based health care. Soc Sci Med. 2006 Jun;62(11):2613-20. DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2005.11.022 DOI: https://doi.org/10.1016/j.socscimed.2005.11.022

Downloads

Publicado

2021-01-26

Como Citar

1.
Norman AH, Tesser CD. Medicina de família e prevenção quaternária: uma longa história. Rev Bras Med Fam Comunidade [Internet]. 26º de janeiro de 2021 [citado 29º de março de 2024];16(43):2502. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/2502

Edição

Seção

Artigos de Pesquisa

Plaudit