‘Dizem que é o perigo’

consequências psicossociais de rotular pessoas com hipertensão leve – um estudo qualitativo

Autores

  • Janos Valery Gyuricza Universidade de São Paulo, School of Medicine, Department of Preventive Medicine – São Paulo (SP), Brazil. https://orcid.org/0000-0001-7127-4541
  • John Brodersen Forskningsenheden for Almen Praksis, Center for Sundhed og Samfund, Københavns Universitet
  • Lucas Bastos Marcondes Machado Universidade de São Paulo, School of Medicine, Family and Community Medicine Residency Program – São Paulo (SP), Brazil. https://orcid.org/0000-0003-2934-9444
  • Ana Flávia Pires Lucas d'Oliveira Universidade de São Paulo, School of Medicine, Department of Preventive Medicine – São Paulo (SP), Brazil https://orcid.org/0000-0003-1456-4184

DOI:

https://doi.org/10.5712/rbmfc17(44)3052

Palavras-chave:

Sobremedicalização, Erros de diagnóstico, Hipertensão, Modelos biopsicossociais, Pesquisa qualitativa.

Resumo

Introdução: Hipertensão arterial leve é uma condição assintomática caracterizada por pressão arterial entre 14/9 e 16/10 mmHG e baixo risco de problemas cardiovasculares. É a condição de aproximadamente dois terços das pessoas diagnosticadas com alguma forma de hipertensão. A melhor evidência disponível não apoia o tratamento farmacológico desse grupo para a redução de mortalidade cardiovascular. Além disso, a sobredetecção de hipertensão ocorre e essa prática é apoiada por campanhas de conscientização ao público, rastreamento, acesso fácil ao teste e má prática clínica, que aumentam potencialmente o sobrediagnóstico. Poucas pesquisas qualitativas orientadas para os pacientes mostram que diagnosticar hipertensão pode ter também consequências negativas. Diante disso, são necessárias evidências sobre o potencial de efeitos psicossociais não esperados no diagnóstico de hipertensão. Objetivo: Investigar se o diagnóstico de pessoas de baixo risco com hipertensão leve tem consequências psicossociais indesejadas. Métodos: Onze entrevistas semiestruturadas e quatro grupos focais foram conduzidos em São Paulo, Brasil, com pessoas que relataram hipertensão arterial leve, sem comorbidades, com ou sem uso de medicação. Informantes foram selecionados da população geral por meio de lista de pacientes de unidades de atenção primária e também recrutados por redes sociais. Os participantes tiveram variedade em termos de sexo, idade, nível educacional, cor de pele e tempo de diagnóstico. Os dados foram submetidos à análise qualitativa de conteúdo temático por três dos autores independentemente, o que foi seguido de discussões para gerar categorias e temas. Resultados: os informantes confirmaram que o diagnóstico de hipertensão foi tomado como um rótulo para reações psicossomáticas ao estresse, medicalizou situações difíceis e causadoras de estresse, nomeando-as como doença, e foi um marco biográfico. Nós observamos consequências não intencionais do diagnóstico em uma ampla gama de dimensões psicossociais, por exemplo, medo de morte, doença e envelhecimento; pressão e controle por parte de pessoas próximas; e culpa, vergonha e ansiedade em relação ao trabalho e ao lazer. Apesar das diferentes características dos informantes, todos compartilharam histórias e sentimentos semelhantes relacionados ao rótulo. Conclusão: O diagnóstico de hipertensão é um evento significativo que afeta o dia a dia. A maior parte do impacto é considerada como consequências psicossocias negativas; porém, às vezes, o impacto pode ser ambíguo ou mesmo positivo. Os modelos explanatórios das pessoas são elementos-chave para entender e abordar as consequências psicossociais do diagnóstico, e profissionais de saúde e formuladores de políticas públicas devem estar atentos a esses potenciais consequências negativas na avaliação de risco/benefício das estratégias de diagnóstico desses casos.

Downloads

Não há dados estatísticos.

Métricas

Carregando Métricas ...

Referências

Stewart IM. Headache and hypertension. Lancet. 1953;1(6774):1261-6. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(53)92410-6 DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(53)92410-6

Alderman MH, Lamport B. Labelling of hypertensives: a review of the data. J Clin Epidemiol. 1990;43(2):195-200. https://doi.org/10.1016/0895-4356(90)90185-r DOI: https://doi.org/10.1016/0895-4356(90)90185-R

Haynes RB, Sackett DL, Taylor DW, Gibson ES, Johnson AL. Increased absenteeism from work after detection and labeling of hypertensive patients. N Engl J Med. 1978;299(14):741-4. https://doi.org/10.1056/NEJM197810052991403 DOI: https://doi.org/10.1056/NEJM197810052991403

Mossey JM. Psychosocial consequences of labelling in hypertension. Clin Invest Med. 1981;4(3-4):201-7. PMID: 7337992

Bloom JR, Monterossa S. Hypertension labeling and sense of well-being. Am J Public Health. 1981;71(11):1228-32. https://doi.org/10.2105/ajph.71.11.1228 DOI: https://doi.org/10.2105/AJPH.71.11.1228

Charlson ME, Alderman M, Melcher L. Absenteeism and labelling in hypertensive sub-jects. Prevention of an adverse impact in those at high risk. Am J Med. 1982;73(2):165-70. https://doi.org/10.1016/0002-9343(82)90173-5 DOI: https://doi.org/10.1016/0002-9343(82)90173-5

Rudd P, Price MG, Graham LE, Beilstein BA, Tarbell SJ, Bacchetti P, Fortmann SP. Consequences of worksite hypertension screening. Differential changes in psychosocial func-tion. Am J Med. 1986;80(5):853-60. https://doi.org/10.1016/0002-9343(86)90628-5 DOI: https://doi.org/10.1016/0002-9343(86)90628-5

Mann AH. The psychological effect of a screening programme and clinical trial for hypertension upon the participants. Psychol Med. 1977;7(3):431-8. https://doi.org/10.1017/s0033291700004402 DOI: https://doi.org/10.1017/S0033291700004402

Mena-Martin FJ, Martin-Escudero JC, Simal-Blanco F, Carretero-Ares JL, Arzua-Mouronte D, Herreros-Fernandez V. Health-related quality of life of subjects with known and unknown hypertension: results from the population-based Hortega study. J Hypertens. 2003;21(7):1283-9. https://doi.org/10.1097/00004872-200307000-00015 DOI: https://doi.org/10.1097/00004872-200307000-00015

Spruill TM, Gerber LM, Schwartz JE, Pickering TG, Ogedegbe G. Race differences in the physical and psychological impact of hypertension labeling. Am J Hypertens. 2012;25(4):458-63. https://doi.org/10.1038/ajh.2011.258 DOI: https://doi.org/10.1038/ajh.2011.258

Spruill TM, Feltheimer SD, Harlapur M, Schwartz JE, Ogedegbe G, Park Y, et al. Are there consequences of labeling patients with prehypertension? An experimental study of ef-fects on blood pressure and quality of life. J Psychosom Res. 2013;74(5):433-8. https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2013.01.009 DOI: https://doi.org/10.1016/j.jpsychores.2013.01.009

Jørgensen P, Langhammer A, Krokstad S, Forsmo S. Diagnostic labelling influences self-rated health. A prospective cohort study: the HUNT Study, Norway. Fam Pract. 2015;32(5):492-9. https://doi.org/10.1093/fampra/cmv065 DOI: https://doi.org/10.1093/fampra/cmv065

Trevisol DJ, Moreira LB, Kerkhoff A, Fuchs SC, Fuchs FD. Health-related quality of life and hypertension: a systematic review and meta-analysis of observational studies. J Hyper-tens. 2011;29(2):179-88. https://doi.org/10.1097/HJH.0b013e328340d76f DOI: https://doi.org/10.1097/HJH.0b013e328340d76f

Castro VD, Car MR. O cotidiano da vida de hipertensos: mudanças, restrições e rea-ções [Daily living with hypertension: changes, restrictions and reactions]. Rev Esc Enferm USP. 2000;34(2):145-53. https://doi.org/10.1590/s0080-62342000000200004 DOI: https://doi.org/10.1590/S0080-62342000000200004

Khosravi A, Ramezani MA, Toghianifar N, Rabiei K, Jahandideh M, Yousofi A. As-sociation between hypertension and quality of life in a sample of Iranian adults. Acta Cardiol. 2010;65(4):425-30. https://doi.org/10.2143/AC.65.4.2053901

Sångren H, Reventlow S, Hetlevik I. Role of biographical experience and bodily sensa-tions in patients' adaptation to hypertension. Patient Educ Couns. 2009;74(2):236-43. https://doi.org/10.1016/j.pec.2008.08.007 DOI: https://doi.org/10.1016/j.pec.2008.08.007

Malachias M, Plavnik FL, Machado CA, Malta D, Scala LCN, Fuchs S. 7th Brazilian guideline of arterial hypertension: Chapter 1 – concept, epidemiology and primary prevention. Arq Bras Cardiol. 2016;107(Suppl 3):1-6. https://doi.org/10.5935/abc.20160151 DOI: https://doi.org/10.5935/abc.20160151

Kim JY. Risk factor clustering in korean hypertensive patients. Korean Circ J. 2016;46(5):613-4. https://doi.org/10.4070/kcj.2016.46.5.613 DOI: https://doi.org/10.4070/kcj.2016.46.5.613

Weycker D, Nichols GA, O'Keeffe-Rosetti M, Edelsberg J, Khan ZM, Kaura S, et al. Risk-factor clustering and cardiovascular disease risk in hypertensive patients. Am J Hyper-tens. 2007;20(6):599-607. https://doi.org/10.1016/j.amjhyper.2006.10.013 DOI: https://doi.org/10.1016/j.amjhyper.2006.10.013

Diao D, Wright JM, Cundiff DK, Gueyffier F. Pharmacotherapy for mild hyperten-sion. Cochrane Database Syst Rev. 2012;(8):CD006742. https://doi.org/10.1002/14651858.CD006742.pub2 DOI: https://doi.org/10.1002/14651858.CD006742.pub2

Marchant I, Nony P, Cucherat M, Boissel JP, Thomas SR, Bejan-Angoulvant T, et al. The global risk approach should be better applied in French hypertensive patients: a compari-son between simulation and observation studies. PLoS One. 2011;6(3):e17508. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0017508 DOI: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0017508

Brodersen J, Schwartz LM, Heneghan C, O'Sullivan JW, Aronson JK, Woloshin S. Overdiagnosis: what it is and what it isn't. BMJ Evid Based Med. 2018;23(1):1-3. https://doi.org/10.1136/ebmed-2017-110886 DOI: https://doi.org/10.1136/ebmed-2017-110886

Vinther JL, Jørgensen T, Borglykke A. Need to combine individual strategies with population-level strategies in the prevention of coronary heart disease. Dan Med J. 2013;60(10):A4726. PMID: 24083532

Fabrega H. Disease and social behaviour; an interdisciplinary perspective. Med Hist. 1976;20(3):338. PMCID: PMC1081809 DOI: https://doi.org/10.1017/S0025727300022948

Kleinman A, Eisenberg L, Good B. Culture, illness, and care: clinical lessons from an-thropologic and cross-cultural research. Ann Intern Med. 1978;88(2):251-8. https://doi.org/10.7326/0003-4819-88-2-251 DOI: https://doi.org/10.7326/0003-4819-88-2-251

Bokhour BG, Cohn ES, Cortes DE, Solomon JL, Fix GM, Elwy AR, et al. The role of patients' explanatory models and daily-lived experience in hypertension self-management. J Gen Intern Med. 2012;27(12):1626-34. https://doi.org/10.1007/s11606-012-2141-2 DOI: https://doi.org/10.1007/s11606-012-2141-2

Hurwicz ML, Rose M. Older adults' explanatory models of high blood pressure. Health. 2016;8(7):14. https://doi.org/10.4236/health.2016.87072 DOI: https://doi.org/10.4236/health.2016.87072

Heurtin-Roberts S. ‘High-pertension’ – The uses of a chronic folk illness for per-sonal adaptation. Soc Sci Med. 1993;37(3):285-94. https://doi.org/10.1016/0277-9536(93)90260-B DOI: https://doi.org/10.1016/0277-9536(93)90260-B

Garro LC. Culture and high blood pressure: understandings of a chronic illness in an Ojibwa community. Arctic Med Res. 1988;47(Suppl 1):70-3. PMID: 3272720

Levenstein JH, McCracken EC, McWhinney IR, Stewart MA, Brown JB. The patient-centred clinical method. 1. A model for the doctor-patient interaction in family medicine. Fam Pract. 1986;3(1):24-30. https://doi.org/10.1093/fampra/3.1.24 DOI: https://doi.org/10.1093/fampra/3.1.24

Brown J, Stewart M, McCracken E, McWhinney IR, Levenstein J. The patient-centred clinical method. 2. Definition and application. Fam Pract. 1986;3(2):75-9. https://doi.org/10.1093/fampra/3.2.75 DOI: https://doi.org/10.1093/fampra/3.2.75

Engel GL. The clinical application of the biopsychosocial model. Am J Psychiatry. 1980;137(5):535-44. https://doi.org/10.1176/ajp.137.5.535 DOI: https://doi.org/10.1176/ajp.137.5.535

Fontanella BJ, Ricas J, Turato ER. Amostragem por saturação em pesquisas qualitati-vas em saúde: contribuições teóricas [Saturation sampling in qualitative health research: theo-retical contributions]. Cad Saude Publica. 2008;24(1):17-27. https://doi.org/10.1590/s0102-311x2008000100003 DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100003

Vaismoradi M, Turunen H, Bondas T. Content analysis and thematic analysis: Implica-tions for conducting a qualitative descriptive study. Nurs Health Sci. 2013;15(3):398-405. https://doi.org/10.1111/nhs.12048 DOI: https://doi.org/10.1111/nhs.12048

Rose G. Strategy of prevention: lessons from cardiovascular disease. Br Med J (Clin Res Ed). 1981;282(6279):1847-51. https://doi.org/10.1136/bmj.282.6279.1847 DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.282.6279.1847

Rose G. The strategy of preventive medicine. New York: Oxford University Press; 1992. 138 p.

Rose G. Sick individuals and sick populations. Int J Epidemiol. 2001;30(3):427-32; discussion 433-4. https://doi.org/10.1093/ije/30.3.427 DOI: https://doi.org/10.1093/ije/30.3.427

Hart JT. The inverse care law. Lancet. 1971 Feb 27;1(7696):405-12. https://doi.org/10.1016/s0140-6736(71)92410-x DOI: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(71)92410-X

Kleinman A. Concepts and a model for the comparison of medical systems as cultural systems. Soc Sci Med. 1978;12(2B):85-95. https://doi.org/10.1016/0160-7987(78)90014-5 DOI: https://doi.org/10.1016/0160-7987(78)90014-5

Bedson J, McCarney R, Croft P. Labelling chronic illness in primary care: a good or a bad thing? Br J Gen Pract. 2004;54(509):932-8. PMID: 15588540

Bell KJL, Doust J, Glasziou P. Incremental benefits and harms of the 2017 American College of Cardiology/American Heart Association High Blood Pressure Guideline. JAMA Intern Med. 2018;178(6):755-7. https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2018.0310 DOI: https://doi.org/10.1001/jamainternmed.2018.0310

Bell K, Doust J, McGeechan K, Horvath AR, Barratt A, Hayen A, Semsarian C, Irwig L. The potential for overdiagnosis and underdiagnosis because of blood pressure variability: a comparison of the 2017 ACC/AHA, 2018 ESC/ESH and 2019 NICE hypertension guidelines. J Hypertens. 2021;39(2):236-42. https://doi.org/10.1097/HJH.0000000000002614 DOI: https://doi.org/10.1097/HJH.0000000000002614

Berger K. [Systematic errors in blood pressure measurement with conventional mercury manometers]. Biomed Tech (Berl). 1983;28(6):129-33. DOI: https://doi.org/10.1515/bmte.1983.28.6.129

Handler J. The importance of accurate blood pressure measurement. Perm J. 2009;13(3):51-4. https://doi.org/10.7812/tpp/09-054 DOI: https://doi.org/10.7812/TPP/09-054

Veiga EV, Nogueira MS, Carnio EC, Marques S, Lavrador MA, de Moraes SA, et al. Assessment of the techniques of blood pressure measurement by health professionals. Arq Bras Cardiol. 2003;80(1):89-93. https://doi.org/10.1590/S0066-782X2003000100008 DOI: https://doi.org/10.1590/S0066-782X2003000100008

Fleischer S. Ilusões Oferecidas às Pessoas com ‘Problemas de Pressão’ na Ceilân-dia. Anthropológicas. 2017;27(2):97-119.

Fleischer S. O "Grupo da Pressão": notas sobre as lógicas do "controle" de doenças crônicas na Guariroba, Ceilância/DF. Amazôn Rev Antropol (Online). 2013;5(2): 452-77. http://doi.org/10.18542/amazonica.v5i2.1502 DOI: https://doi.org/10.18542/amazonica.v5i2.1502

Fleischer S. Os problemas de pressão: entre os problemas da vida e os problemas do mundo. In: EdUFSCar (ed.). Descontrolada uma etnografia dos problemas de pressão. 1 ed. São Carlos: EdUFSCar; 2018. p. 261.

Marshall IJ, Wolfe CD, McKevitt C. Lay perspectives on hypertension and drug ad-herence: systematic review of qualitative research. BMJ. 2012;345:e3953. https://doi.org/10.1136/bmj.e3953 DOI: https://doi.org/10.1136/bmj.e3953

Publicado

2022-04-12

Como Citar

1.
Gyuricza JV, Brodersen J, Machado LBM, d’Oliveira AFPL. ‘Dizem que é o perigo’: consequências psicossociais de rotular pessoas com hipertensão leve – um estudo qualitativo. Rev Bras Med Fam Comunidade [Internet]. 12º de abril de 2022 [citado 21º de dezembro de 2024];17(44):3052. Disponível em: https://rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/3052

Edição

Seção

Artigos de Pesquisa

Plaudit