O processo de construção compartilhada de histórias a partir da Medicina Narrativa aplicada à Atenção Primária à Saúde
um estudo de caso
DOI:
https://doi.org/10.5712/rbmfc19(46)4136Palavras-chave:
Medicina Narrativa, Terapia narrativa, Empatia.Resumo
Introdução: Alguns usuários da Atenção Primária à Saúde (APS), apesar dos tratamentos propostos e do acompanhamento com profissionais da unidade de saúde, especialistas focais e equipe multidisciplinar, sentem-se insatisfeitos e não compreendidos em seu sofrimento. Entretanto, tem-se emergido o conhecimento sobre o potencial das narrativas no contexto da Medicina, e tem sido descrita a Medicina Narrativa (MN), a qual é exercida com a competência de se aprofundar e honrar as histórias dos pacientes. Assim, melhora-se a satisfação no cuidado em saúde e inicia-se um processo de cura em nível simbólico por meio da escuta atenta do sofrimento da pessoa. Objetivo: Explorar como a MN pode ser uma ferramenta de cuidado aplicada à APS para usuários que se sentem pouco compreendidos em seu processo de adoecimento. Métodos: Estudo de caso qualitativo, submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná (CEP-UFPR) e pela Plataforma Brasil, na modalidade de pesquisa-ação. Uma usuária foi convidada a participar de uma entrevista semiestruturada qualitativa para a produção de narrativas e melhor compreensão de seu sofrimento, a partir do questionário MINI. Após a aplicação, uma narrativa sobre a história contada foi escrita, lida para a paciente, impressa e entregue. A paciente teve algumas semanas para refletir sobre o conteúdo, com posterior retorno para avaliação do impacto da leitura sobre sua perspectiva. Resultados: A adoção dessa metodologia permitiu um aprofundamento na compreensão do sofrimento e um aumento da empatia da profissional. Para a usuária, a experiência proporcionou uma sensação de compreensão e confiança, sem sentir-se julgada, além de uma melhora em seu insight sobre o processo de adoecimento. Foi descrita uma ferramenta simples e de baixa complexidade para uso na APS. No entanto, devido ao uso da leitura e escrita, encontra-se um obstáculo na desigualdade educacional no Brasil. Métodos narrativos têm se mostrado, na literatura, especialmente na área da psicologia e no campo da terapia narrativa, como benéficos para o tratamento de contextos complexos de sofrimento, como transtorno de estresse pós-traumático em refugiados, adolescentes vítimas de violência sexual, vítimas de desastres naturais e no desenvolvimento de resiliência em crianças órfãs. Conclusões: A MN pode ser promissora se aplicada na clínica, oferecendo benefícios como o aprofundamento do entendimento tanto do profissional quanto do paciente sobre o processo de adoecimento e as nuances do sofrimento que a simples anamnese não consegue alcançar. A produção de narrativas, seguida de sua entrega e reflexão por parte do profissional e do usuário, contempla e potencializa a integralidade, a coordenação do cuidado e o método clínico centrado na pessoa.
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